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Por Raíssa França, Lisa Gabriela e Bruno Levy

Expostos dias inteiros ao sol, eles podem adquirir câncer de pele e problemas de visão. Dentro do mar, da lagoa ou de um rio, eles utilizam barcos ou canoas muitas vezes sem nenhum equipamento de segurança. Eles trabalham com linha, anzóis e varas que podem causar todo tipo de acidente. Eles são os pescadores e trabalham não só para sobreviver, mas também para manter viva algumas das principais marcas da gastronomia de Alagoas. Porém a atividade impõe riscos que somente eles mesmos conhecem.


A profissão de pescador é considerada livre, e o aprendizado vem muitas vezes de pai para filho. A maioria dos pescadores têm conhecimento pela prática familiar.


Entretanto, a Capitania dos Portos de Alagoas mantém o Curso de Formação de Aquaviários - que é destinado aos candidatos que já exercem as atividades a bordo de pequenas embarcações. Este é o primeiro passo para se habilitar como pescador profissional. Após isso, o pescador apresenta o registro no Órgão Federal controlador da atividade da pesca e recebe uma carteira.

"A VIDA DO PESCADOR É SOFRIDA!

É SOFRIDA"

Benedito Mutambo

SEGURANÇA? PARA QUEM?

Ser pescador é uma atividade de alto risco que necessita de atenção e muito esforço físico. Quem trabalha sente na pele os problemas da profissão. "Lidamos com os riscos diários, não temos apoio e somos desvalorizados. É uma profissão sofrida, chegamos a passar 10 dias dentro do mar", desabafou o pescador Benedito Mutambo, 70 anos.

Benedito Mutambo, o "Biu", é um dos 7.068 pescadores habilitados em Alagoas. Há 51 anos que "Biu" pesca e garante conhecer todo o mar, mas sabe que isso não traz toda segurança. Em sua longa história conta que teve apenas um 'susto' quando o barco parou de funcionar dentro do mar e cortou o dedo enquanto utilizava o anzol. Mas, Mutambo afirmou ter presenciado dois acidentes e uma morte envolvendo os amigos dele.

"Uma vez, um anzol entrou na mão de um amigo. Já outro, o peixe mordeu a perna dele e foi 'sangue pra todo lado'", diz. "Um amigo meu morreu porque caiu dentro do barco com o motor funcionando, ele engachou no eixo e morreu. Acontece muito acidente, é comum", completou Benedito.

Antônio Amorim, presidente da FepealEntrevista ao CadaMinuto
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Sem apoio do poder público e sem materiais necessários como protetor solar e camisa de proteção de raios ultravioleta, por exemplo, os pescadores se viram como podem para trabalhar e admitem que a saúde chega a ser esquecida.

Segundo o presidente da Federação dos Pescadores de Alagoas (Fepeal), Antônio Amorim, os trabalhadores nunca receberam materiais que os ajudassem no trabalho e na prevenção contra problemas de saúde. Por isso, alguns precisaram se afastar do emprego, mas ele informou ainda que não possui dados oficiais de quantos se encontram afastados.

"Muitos profissionais da pesca já foram afastados por causa de câncer de pele, alguns tiveram problema de visão por causa do sol. É comum ter problema de saúde nesse meio. A segurança deles hoje é o INSS", enfatizou Amorim.

O NAUFRÁGIO

O pescador Gilvan Galvão não esqueceu o sábado do dia 05 de março de 1988, quando o barco em que ele estava com mais dois pescadores afundou na praia de Jacarecica. Gilvan contou ter passado 29 horas dentro da água  e que nasceu de novo. "Foi um milagre", afirmou.

 
Gilvan relembra o dia como se fosse hoje. Ele contou que o mar estava agitado, o que provocou a 'quebra' do barco. "Não tínhamos coletes, usamos botijão de lampião e nos agarramos a eles. Ficamos na água, os três juntos. Até que fomos sendo levados, mas estávamos longe demais da terra", relatou.


As horas foram marcadas por gritos desesperados, frio, desânimo, dor e, também, muita fé para sair de lá com vida. "Ia anoitecendo e estávamos cansados, com o corpo doendo, com muito frio. Lembro que o Antônio (que era dono do barco) disse que não aguentava mais e que ia morrer. A noite, ele não aguentou e morreu".


O pescador só foi resgatado com o irmão no domingo, às 17h, na Barra de São Miguel, litoral Sul de Alagoas. Mesmo após o acidente, Gilvan não deixou de pescar e reconhece que a profissão é perigosa, mas é ela que garante o sustento dele. "Apesar da gente não receber nenhum tipo de assistência e de material, é de lá que tiro o dinheiro para sobreviver. No acidente que passei, só fui salvo porque Deus me salvou", concluiu.

"PROTETOR É AQUELE NEGÓCIO BRANCO QUE PASSA NA PELE? TEM UM AMIGO NOSSO QUE USA, MAS SÓ ELE MESMO, PORQUE SÓ ELE PODE COMPRAR"

Antônio Miguel dos Santos

Antônio Miguel dos Santos, pescador há mais de 50 anos, hoje com 74, relata que quando iniciou na profissão era apenas um menino, e que durante todos esses anos já foi surpreendido diversas vezes com os perigos apresentados pela lagoa Mundaú.

“Quando o vento tá muito forte a gente nem vai lá, porque já vi muita coisa nesse rio. Acontece às vezes que o pescador tá pescando e leva uma furada de um bagre ou um mandi e chega a passar dias se tratando (...) Eu também conheço pescador que não sabe nadar, e aquilo é um perigo pra ele mesmo. Os barcos afundam e viram, e se isso acontecer, ele é o primeiro a morrer. Já conheci uma pessoa que morreu, e que só foi achado um dia depois” afirmou.

Antônio também discorreu sobre a ausência dos equipamentos de proteção para a realização da atividade, e quando indagado sobre os riscos de câncer de pele e uso de protetor solar demonstrou surpresa e desconhecimento. “Protetor é aquele negócio branco que passa na pele? Tem um amigo nosso que usa, mas só ele mesmo, porque só ele pode comprar. Nunca vi nenhum tipo de campanha sobre isso por essas bandas” relatou o pescador.

“De proteção não temos (sic) nada, e eu acho que pelo certo deveria ter. Mas até aqui ninguém se interessou em uma proteção sobre a pesca. A gente vai tirar o sururu e mergulha, e se vai pescar a gente vai com a roupa normal mesmo. E a gente vive assim. E se não for é pior, por que a gente sobrevive é disso. A nossa profissão é essa, a de pescador” continuou ele.

 

Sobre o caso, o engenheiro de Pesca da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (Seagri), Welysson Magalhães, afirmou que não compete ao órgão a fiscalização desta demanda. “A Seagri não é um órgão de fiscalização, é um órgão de fomento. Essa parte de fiscalizar os equipamentos não compete a gente, isto deve ser em outra Secretaria, que não sei qual é. Oferecemos alguns cursos de segurança, mas também não realizamos campanhas relacionadas à saúde” disse ele.

EFETIVO CAIU

O Auditor-Fiscal do Trabalho, Alex de Oliveira, disse ao CadaMinuto que os pescadores não foram esquecidos pelo governo, mas confirmou que a fiscalização diminuiu devido à falta de auditores-fiscais que realizem o trabalho. Conforme Alex, há apenas um para fiscalizar a atividade em Alagoas.

"De 1998 até 2002 tivemos dois Auditores na área portuária e aquaviária. Dávamos assistência aos pescadores artesanais com a presença em boa parte das Colônias de Pescadores. Realizávamos inspeções em navios nacionais e estrangeiros, olhando aspectos trabalhistas como quantidade e qualidade dos alimentos a bordo, em vista dos percursos e duração até o próximo porto; a limpeza e conforto dos locais de trabalho e de descanso, a regularidade dos pagamentos de salários, e o registro como empregado junto ao armador da embarcação", informou Alex.

Entretanto, Oliveira contou que desde que assumiu como auditor, o quadro efetivo teve redução de 40%.

"A não reposição dos quadros de fiscalização foram prejudiciais. Mesmo com um melhor direcionamento das inspeções, com melhor cruzamento de informações e avanço em produtividade com ferramentas de informática, a presença física do auditor-fiscal do trabalho é importante em muitos aspectos, como redução da informalidade, redução de doenças e acidentes de trabalho", ressaltou Oliveira.

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